Com atuação em uma causa inédita, a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul conseguiu na Justiça que uma mulher trans tenha o direito de realizar de graça uma cirurgia de feminização facial – para tornar seu rosto mais delicado. É provável que em âmbito estadual este seja o 1º caso em que a conquista dessa cirurgia venha por meio de uma judicialização.
O defensor público titular da 4ª Defensoria Pública de Atenção à Saúde e responsável pela petição inicial, Nilton Marcelo de Camargo, frisa que esse torna-se um relevante precedente judicial para uma temática tão sensível.
“A feminização facial ainda não integra o rol de procedimentos cirúrgicos cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Por outro lado, o sofrimento psíquico e a saúde mental de alguém não podem estar sujeitos a agravo”, defende. Deste modo, por ordem judicial a paciente será encaminhada ao serviço privado e o pagamento na íntegra deverá ser feito pelo governo estadual.
Helena (os sobrenomes não são divulgados a pedido da entrevistada), 56, assistida pela Defensoria Estadual, nasceu em um corpo masculino. Entretanto, sempre se reconheceu no universo oposto: o feminino; por isso, sua identidade de gênero é transgênero – ou seja, Helena é uma mulher transgênero, ainda que até o momento não tenha passado pela cirurgia de transgenitalização (reafirmação de gênero ou readequação genital) para a construção de uma neovagina, o que pretende fazer no ano que vem.
A assistida também deseja passar pela feminização, que não é considerada uma cirurgia estética, porque sente que mulheres trans com aparências um tanto quanto masculinas sofrem mais transfobia.
“Essa cirurgia é importante para poder ter uma característica feminina e ser mais bonita e mais feliz! Para quando tirar fotos para documentos e estiver vestida de mulher em algum local não ser confundida com um homem”, expõe Helena.
O conjunto de procedimentos cirúrgicos a que será submetida na feminização facial engloba diminuir a testa, reduzir a distância entre o nariz e o lábio superior, remover parcialmente o pomo-de-adão e uma cirurgia plástica no nariz. De acordo com médicos especialistas, os resultados finais não serão totalmente imediatos e alguns podem levar até dois anos para serem atingidos. Mesmo que esses benefícios sejam gradativos, Helena diz que será “um sonho muito grande” conseguir suavizar os traços de seu rosto.
A decisão judicial
Ao procurar a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, por ser de baixa renda e não ter plano de saúde suplementar, Helena manifestou ao defensor a necessidade de conseguir a feminização facial, já que passa por acompanhamento médico periódico para efetivar a sua transição de gênero. Então, a fim de atender à demanda, o defensor público propôs uma ação com o objetivo de obrigar o Estado a pagar a cirurgia rapidamente.
Para efetivar esse direito, a liminar foi concedida pelo Poder Judiciário. E como o SUS não realiza feminização facial até o momento, Helena será operada em uma clínica médica particular na cidade de São Paulo. O agendamento da cirurgia deve ocorrer em até 30 dias úteis, a contar a partir de 8 de novembro, e ser concretizada, no máximo, em mais 30 dias úteis.
“Muitas pessoas estão seguras em seu propósito de transexualização, mas não o realizam porque o condicionam a prévia realização de cirurgia de feminilização facial. Por tudo isso, essa decisão judicial representa uma porta que se abre para a concretização do direito à saúde e ao direito cultural dessa minoria”, comenta o defensor de Atenção à Saúde.